domingo, 11 de julho de 2010

AS CANÇÕES DE JOSÉ 2: ODISSÉIA





















Muita gente me pergunta sobre a letra de Odisséia. Ela se distingue das demais canções do disco pelo vocabulário e quantidade de imagens que possui. Aproxima-se um pouco de Ouro, que também apresenta um tom épico e é bastante imagética, mas Odisséia vai um pouco além na densidade do conteúdo simbólico.

Foi escrita em uma época em que estava imerso em uma busca pelo autoconhecimento e a espitirualidade. Havia mudado minha alimentação para uma dieta vegetariana, estudava na Eubiose e concentrava minhas leituras em matérias que me auxiliassem naquele caminho.
Entre essas leituras, encontravam-se livros sobre a psicologia analítica, de Carl Gustav Jung e seus discípulos.






O que me aproximou da obra de Jung  foi o fato de que,  ao mesmo tempo em que trocava informações com gênios da física, como Albert Einstein e Wolfgang Pauli,  buscava lastro para sua idéias na alquimia, na mitologia, em estudos sobre os povos primitivos da Ásia, África e Índios da América do Norte, tendo encontrado nos simbolismos destas culturas elementos fundamentais para compreensão do desenvolvimento humano.





Através desses estudos, Jung percebeu que diferentes povos possuíam os mesmos conteúdos inconscientes, formados pelos mesmos arquétipos, modelos inatos que servem de matriz para o desenvolvimento da psique, como a figura da morte, da Grande-Mãe, do Herói, do Velho Sábio, da sombra, da ânima e do ânimus, entre outros.

Jung denominou essa camada mais profunda da psique, pré-existente ao consciente e carregada de conteúdos herdados dos ancestrais,  de inconsciente coletivo.

Segundo Nise da Silveira, uma de suas discípulas brasileiras, criadora do Museu do Inconsciente, “pode-se representar a psique como um vasto oceano (inconsciente) no qual emerge uma pequena ilha (consciente).”






Quando escrevi Odisséia, acabara de ler o livro homônimo de Homero, onde se encontram muitos desses arquétipos de que fala Jung.

Ulisses, o herói, que retorna de Guerra de Tróia, enfrenta o mar com seus monstros e intempéries, para regressar a Ítaca, a ilha onde sua esposa, Penélope, lhe espera. Ícone de virtude, rainha, esposa, mãe modelar, Penélope, durante o dia, tece um véu e o desmacha à noite, pois quando terminá-lo deverá desposar um dos inúmeros pretendentes a tomar o lugar de seu marido, dado como morto. Na esperança de que Ulisses permanece vivo, usa o ardil do véu para aguardar sua chegada.

Por sua vez, Ulisses, em sua odisséia depara-se com inúmeros perigos e tentações, enfrenta a fúria de Poseidon, Deus dos mares, e é arremessado à ilha de Ogígia, onde fica sete anos prisioneiro  de  Calipso, até Pallas Atena intervir junto a Zeus,  que obriga a Deusa Ninfa a libertá-lo. 






No decurso de suas perambulações, vai parar em Eana,   ilha onde habita Circe, uma Deusa Feiticeira que transforma a sua tripulação em porcos, uma forma de simbolizar os instintos primitivos do homem.  

Auxiliado por Hermes, o mensageiro, Ulisses consegue subjugar a feiticeira, que devolve aos marinheiros suas formas e trata a todos com tal hospitalidade que Ulisses chega a esquecer por uns dias os seus objetivos. Depois é chamado à razão por seus companheiros e, auxiliado por Circe, segue viagem. 


No caminho, pede para ser amarrado ao mastro do navio para não ceder ao canto das Sereias, e ainda enfrenta o Ciclope, os monstros marinhos Cila Caríbdes todos símbolos de ritos de passagem, portões pelos quais se deve passar quando se busca o caminho da evolução.








Não lembro exatamente a ordem cronológica dos obstáculos porque passa o herói e não pretendo me estender nesse resumo do clássico grego, pois que senão perderemos de vista o objetivo principal dessa publicação. Aconselho, entretanto, a leitura do livro de Homero, que é muito rico e certamente vai inspirar muitas coisas boas.

Voltando à minha canção, sua primeira estrofe já aponta para essa interpretação de mar como inconsciente e toda aventura que se desenrola durante a música não é mais do que uma viagem iniciática, onde os monstros representam os guardiães dos portões do conhecimento.

A lança e a espada surgem como símbolos fálicos, as armas do guerreiro e representam seus aspectos externos, sua masculinidade, bravura e  racionalidade.  Penélope, Circe, Pallas Atena e as sereias representam o feminino, em seus diferentes aspectos, subjacente no inconsciente do homem e que, pela psicologia Junguiana,  recebe o nome de ânima.





Atena, a Deusa e Penélope, a esposa, representam o lado claro do feminino e Circe e as sereias o lado obscuro, perigoso. Diz-se que a individuação se processa quando os aspectos do consciente e do inconsciente se harmonizam e se complementam. No homem essa complementação se dá com uma integração, ao consciente, de sua ânima, seu aspecto feminino. A mulher se completa ao integrar ao consciente o ânimus, arquétipo masculino presente no inconsciente.







Mas a canção não pretende dirigir o ouvinte e sim seduzí-lo a embarcar em uma viagem, onde cada um poderá fazer seu roteiro e inferir sua próprias interpretacões.
Na frase “Uma Deusa me quer bem”, por exemplo, posso estar me referindo a Pallas Atena ou a uma mulher de carne e osso que simbolize essa energia da Deusa. Quando digo “periga existir meu nada querer, oh! meu talismã” refiro-me a uma idéia budista de acalmar os desejos e de “sem querer ser, merecer ser”. Ao mesmo tempo, o talismã pode simbolizar um objeto ou uma pessoa que dá sorte e que só alcançamos quando deixamos de lado as ansiedades e as inquietudes decorrentes da escravidão dos quereres.

Nisso há uma contradição e, se não houvesse não seria interessante. Essa contradição reside no fato de as libidos (não no sentido freudiano, puramente sexual), mas no sentido Junguiano de pulsão vital, serem a mola para a realização das coisas. Como então querer não querendo? Nisso há uma diferença muito sutil, da qual  conheço o sabor, mas que não sei expressar com palavras.

Descobrir o relicário, é tirar o véu (a cobertura) e encontrar a chama acesa é ver, dentro de si mesmo, a centelha divina.

Agora é com vocês. Nos encontramos nos comentários.




ODISSÉIA  por  Antonio Villeroy



A lenda se desdobra em mar aberto,
gigantesco, frio e sem fomento

Uma luz esquiva tinge o céu deserto, tudo é  desafio nesse momento


Começo de uma rota sinuosa, sob o hálito viscoso de neblina

Tomo a espada sobre a palma sem abalo,
e avanço pela espuma sulfurina



Periga existir, periga existir
                  
Meu nada querer, oh! meu talismã…
 


São muito perigos, são duros castigos ao corpo nu, na amplidão

Mas vago sem trégua,
são sete mil léguas onde os tesouros estão


Quantos ardis sobre a negra nau,
o embate é solitário e é forte a correnteza

Vou dar muito além, um erro é fatal,
 mas nada me detém
Uma Deusa me
 quer bem



Periga existir…



Em domínios estrangeiros vou por terra,
uma lua negra paira sobre o vento

Sei das provas que o destino me reserva, deixo firme as provisões do armamento


Pressinto a batalha monstruosa
 contra a fúria das medusas e gigantes

Levo ao punho minha lança poderosa
 e avanço pela escarpa cintilante



Periga existir…



São muitos algozes, são monstros ferozes os guardiães
 do templo onde vou

Mas luto sem prece, o
céu estremece, quem sabe um
Deus me guiou


Venço num triz o duelo final, escubro o relicário e encontro a chama acesa

Já posso voltar, o mar é cruel, 
mas um vento veloz vem
Uma Deusa 
me quer bem!



Periga existir…





segunda-feira, 5 de julho de 2010

AS CANÇÕES DE JOSÉ 1: OURO







A partir de hoje vou publicar algumas letras do CD José para conversarmos um pouco à respeito de  suas formas e conteúdos.
Como já disseram alguns poetas, os poemas são finalizados pelos leitores. Cada pessoa que os lê vai intuir, inferir e vislumbrar significados que muitas vezes nem mesmo os autores imaginaram ou pretenderam conscientemente.
Uma canção segue os mesmos princípios, só que acrescentando aos ritmos e fonéticas das letras os desenhos melódicos que as completam em som e sentido.
Outro dia um seguidor do twitter fez uma nova leitura de um trecho da canção Pra Rua Me Levar.
Onde está escrito:    "ver a cidade se acender" ele também ouviu "veracidade se acender"
- é vero!
Para começar essa série de conversas sobre as canções, proponho que examinemos a letra e a música de  Ouro.
Quando pensei em compor essa canção, pensei primeiro no tema que queria desenvolver e solicitei textos em prosa sobre o assunto a três caras que são muito bons de caneta, Bebeto Alves, Jorge Mautner e Nelson Coelho de Castro.
Cada um deles deveria discorrer sobre o ouro, sem preocupar-se com rimas, ritmo ou cadência, apenas colocar no papel o que lhes viesse à cabeça ou que fosse fruto de alguma pesquisa. Assim como eles, também me incumbi de escrever um texto seguindo os mesmos princípios, buscando algumas coisas em livros, no Google e puxando pela memória.


Do texto de Mautner aproveitei a palavra eldorado, que abre e fecha a música. Pode parecer uma colaboração pequena, mas é definitiva, pois Eldorado é mais do que um lugar onde se encontra o ouro (em espanhol El Dorado), é um lugar sonhado, das imaginações quinhentistas, quando as Américas começaram a ser colonizadas pelos europeus.
Segundo a Wikipedia, "o Eldorado é uma antiga lenda narrada pelos índios aos espanhóis na época da colonização das Américas. Falava de uma cidade cujas construções seriam todas feitas de ouro maciço e cujos tesourosexistiriam em quantidades inimagináveis.
Acreditou-se que o Eldorado fosse em várias regiões do Novo Mundo: uns diziam estar onde atualmente é o Deserto de Sonora no México. Outros acreditavam ser na região das nascentes do Rio Amazonas, ou ainda em algum ponto da América Central ou do Planalto das Guianas, região entre a Venezuela, a Guiana e o Brasil (no atual estado de Roraima). 

O fato é que essas são algumas — entre as várias — suposições da possível localização do Eldorado, alimentadas durante a colonização do continente americano. 

Apesar da lenda, muito ouro e prata foram descobertos nas Américas, em territórios como o Alto PeruSudeste do Brasil (Minas Gerais) e nas regiões onde viviam as civilizações aztecainca e maia.

O termo Eldorado significa O (homem) dourado em espanhol; segundo a lenda, tamanha era a riqueza da cidadela, que o imperador tinha o hábito de se espojar no ouro em pó, para ficar com a pele dourada."


Os alquimistas procuravam uma maneira de tranformar metal vil em ouro e, ao mesmo tempo, visavam sua própria evolução, transformando energia grosseira em energia sutil. 

Em textos esotéricos fala-se que a próxima raça que ocupará o planeta será a Raça DouradaSegundo a Eubiose, a primeira raça foi a Hiperbórea, a segunda Adâmica, a terceira a Lemuriana, quarta Atlante e a quinta, onde nos situamos a ariana. Em cada período desses que dura alguns milhares de anos (se não me engano cerca de 25 mil anos) foram sendo desenvolvidos os corpos (nessa ordem) vital, físico, emocional, mental e o mental abstrato em cujo processo de desenvolvimento nos encontramos. 

A compreensão da física quântica, do hiperespaço, dos "buracos de minhoca", já são manifestações desse desenvolvimento que deverá ser sedimentado quando se abrirem determinados portais de que se fala atualmente. Mas isso já é outra história. 


Voltando ao processo de criação,  Nelson enviou-me um texto bastante imagético, falando de navios, escorbuto, lanhos, avareza, lama, cobiça, enfim, uma cornucópia de imagens muito interessantes que me transportaram ao século das navegações, das descobertas, das piratarias, das intrigas de bispos, reis e rainhas. 

Lembrei muito da primeira vez em que fui a Ouro Preto, do dourado das igrejas barrocas, das histórias que ouvi dos tempos do ciclo do Ouro e das pessoas que dizem ouvir correntes arrastando no meio da noite. Muito dessas idéias estão no texto final da canção.


O Bebeto não resistiu e trouxe-me um texto em forma poética, uma pré letra de música. No final das contas, não utilizei nada do texto que ele me enviou, mas ele fez  correções fundamentais no refrão, que estava muito denso e dizia "sosseguem os seus canhões". O Bebeto reparou que a letra já possuia muita informação de tom épico e estava um pouco pesada.  Que precisava-se injetar um pouco de romance e atualidade e sugeriu trocar canhões por coração o que trouxe a canção para o tempo presente e a deixou mais pop.

Então ficou: "não cega, sossega o meu coração" .
 Enfim, concebi a canção, parte harmônica e melódica, formato da letra, com fraseado, rimas e aliterações, inspirado nessas contribuições fundamentais que, cada um de meus parceiros, a seu modo, me trouxe.
Agora, cada pessoa que a ouve tem a possibilidade de a completar e é isso que gostaria de propor aqui. Que os frequentadores da Câmera expressassem suas impressões sobre a canção, podendo focar sobre seus aspectos gerais ou em algum trecho ou frase que lhe chame atenção, podendo também apenas indagar sobre determinados sentidos aparentes ou manifestados nas entrelinhas.
Acho que vai dar um bom bate bola. Vamos nessa?
Boa semana a todos.
Namastê




OURO
Letra e Música: Antonio Villeroy                                                  
A partir de contribuições de Bebeto Alves, Jorge Mautner e Nelson Coelho de Castro

Eldorado                               
Brilho encantado da mina
Até no escuro ilumina
Até mesmo onde reina a preguiça
Onde aparece atiça

No dedo no brinco no vaso no punho cerrado
no peito suado de quem lhe rapina
Parece que nunca termina
Quem não tem lhe cobiça

Sobra no cofre gelado do homem avaro
Que mata e que morre por essa valia
Esse perdeu sua guia
Nada mais vê no horizonte

Mas pra mim o que reluz não cega
É pedra de meditação
Vem do sol a luz que me carrega
Doura a lua em tua mão

Não cega
Sossega o meu coração
Meu olho no teu acerta
O centro do furacão
Teu olho no meu
É ouro

Metal raro
Quem por ti não alucina
Pedra da arte divina
Quem não te perde de vista
Pensa no dom do alquimista

Cai no vapor da batalha a brilhante medalha
De quem celebrava o sabor da conquista
Briga de rei e rainha
O bispo e sua ladainha


Pesa o colar da vadia
No corpo lanhado de quem foi buscá-lo no fundo da terra
É só riqueza ou quimera
Ou bons ventos da nova era

Mas pra mim o que reluz não cega
É pedra de meditação
Vem do sol a luz que me carrega
Doura a lua em tua mão

Não cega
Sossega o meu coração
Meu olho no teu acerta
O centro do furacão
Teu olho no meu
É ouro