quarta-feira, 25 de novembro de 2009

AMIGOS NOTÁVEIS 2: BEBETO ALVES / O QUE VEM DOS PAMPAS





                                                            Entardecer nos pampas


Nesse post abro espaço para meu amigo e parceiro Bebeto Alves falar de um projeto novo seu. Homem inquieto e de muitas idéias, Bebeto é gaúcho da região  da fronteira como eu, onde começa a paisagem conhecida como pampa  em que os campos se estendem para além da vista em pequenas ondulações a que denominamos coxilhas. Nesse ambiente surgiu  a figura do gaúcho, aquele ser andejo, que no lombo de um cavalo atravessa as fronteiras do real ao imaginário para ser reinventado nas páginas de Simões Lopes Neto, Erico Veríssimo, Aparicio Silva Rillo,  Barbosa Lessa e de nossos vizinhos, Jorge Luis Borges,  Ricardo Guiraldes  e Martin Fierro, entre outros brasileiros, argentinos e uruguaios. 

Bebeto foi atrás das origens desse ser emblemático e encontrou suas pegadas no pó de paragens distantes, da Península Ibérica e da África do Norte, conhecida como Mahgreb , onde muitos chegaram provindos também do Egito, o que lhes conferiu o nome de egiptanos,  gitanos, ou ciganos e que são, aliados a outras etnias, os formadores da constituição genético cultural do Rio Grande do Sul e cercanias.


Bebeto tem pensado muito sobre o papel que essa cultura criada em torno do paralelo 30 brasileiro pode e deve desempenhar para integrar-se no mosaico cultural do país.  Ele explicará isso à sua maneira, pois sei que perde o sono bem mais do que eu com essas questões, mas é sabido que o Brasil absorve mais a cultura vinda de suas regiões mais quentes do que a provinda de nosso clima sub temperado.  

Isso pode ser creditado, em parte, aos diferentes momentos em que o Brasil necessitou forjar uma identidade nacional e buscou em suas manifestações mais tropicais a sua forma de representação para o mundo externo e para si mesmo, como aconteceu no momento da Proclamação da República, onde deu-se uma ênfase ao chorinho e ao maxixe como formas musicais representativas do país, e, num outro momento, com o enfoque dado ao samba por Getulio Vargas durante o Estado Novo. E isso não fica restrito à musica, o mesmo aconteceu e segue acontecendo  com a literatura, as artes plásticas, o cinema, etc


 Guilherme Litran: Carga de Cavalaria,  1893 acervo  Museu Júlio de Castilhos, P. Alegre


Sobra ainda um estigma relacionado a uma falsa idéia de que o gaúcho é separatista, sendo que o movimento conhecido como Guerra dos Farrapos, que começou reivindicatório contra os altos impostos cobrados pela coroa e a impossibilidade de se colocar na presidência da província um representante indicado pelos próprios gaúchos,  desdobrou-se em uma manifestação republicana e abolicionista que visava, antes do que separar-se, integrar o Brasil a uma modernidade inspirada nos ideais da Revolução Francesa e também no modelo federativo da constituição americana. Nós gaúchos não somos separatistas, mas, de certa forma, como identidade cultural, sempre ficamos meio apartados da colcha de retalhos da produção brasileira. 

Muitos já se debruçaram de forma constante e efetiva sobre essa questão, abordando-a sob pontos de vista diferentes, como Vitor Ramil que fez profundas  reflexões a respeito do tema,  criando a partir de suas perspectivas um conjunto de pensamentos que resultou num conceito estético que ele denominou de Estética do Frio, a partir do qual vem orientando seus trabalhos em música e literatura. Embora eu não me identifique com tudo o que ele apregoa, reconheço o esforço intelectual  do Vitor e o salto  qualitativo que  sua obra alcançou a partir do momento em que seu trabalho tomou esse rumo, angariando um público  cada dia maior no Brasil e em outros países da América do Sul, da Europa e no Japão, o que veio a colaborar para uma maior visibilidade da arte produzida no RS.

Mais sanguíneo e solar, Bebeto apresenta seu modo de interpretar essa mesma gema cultural, evidenciando seus aspectos  mais africanos, acrescentando em sua perspectiva artística uma verve mais emocional e ritmcamente mais ativa. Portanto essa sua viagem ao Marrocos, à Catalunha e a Portugal apresenta-se como um reencontro seu com suas origens, com seus sentimentos mais profundos, o que fica evidente quando o vemos interpretar suas canções carregadas de imagens como se fossem caravanas plenas de mercadorias e paixões. Essa viagem e outras incursões de Bebeto pelo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Argentina estão sendo registrados em Vídeo HD e farão parte de um longa metragem sobre sua carreira, sua produção cultural e seus pensamentos. A riqueza das  imagens publicadas abaixo anunciam que vem por aí um trabalho muito importante sobre a cultura do Brasil produzida nessa região ainda pouco explorada pelos próprios brasileiros.


Com a palavra esse artista que tanto admiro.

 

                                                            Torre de Belém, Lisboa


MAIS UMA CANÇÃO por Bebeto Alves


Convidado pelo meu amigo Antonio a trazer até vocês , no espiríto do “A Câmera Que Filma Os Dias” o conhecimento de um trabalho que estamos realizando desde o ano passado; uma reflexão sobre matrizes étnicas culturais , origens , dna, genoma, da composição de um território criativo, de uma subjetividade inexplorada em sua totalidade e pouca entendida dentro de um conceito de identidade nacional no universo da nossa cultura popular, no mapa da nossa canção  brasileira, em seus movimentos e caminhos, organizo  cronologicamente , a fim de leitura , esse volume.

 Sem negar, absolutamente, todos aqueles que já estabeleceram , de uma maneira ou de outra, uma relação como essa cena, seja através de um mercado, ou ,  a partir de conceituações que eventualmente buscam sua tradução. Ou, ainda, atentos às mudanças de paradigmas  na indústria cultural, no mercado  fonográfico  e editorial, nas relações com um público que se utiliza de  novos meios para se relacionar com a canção e seu processo criativo, entendemos  que uma derivação de conceitos, novas idéias, e reflexões ainda mais aprofundadas sobre um “ sul brasileiro estado de coisas”  original, diferente e novo, pode contribuir para o enriquecimento do  imaginário poético-musical do país. Ver a diferença e com ela buscar a soma , a multiplicação isso é o que nos move. Na  busca da singularidade não existe convenção, nem tempo, muito menos  qualquer tipo de realidade, que invalide esse tipo de  processo, de busca e de entendimento.

 

                                                     Peña Flamenca em Jerez (Es)

Tudo começa no ano passado, no Rio, quando procurado pela equipe da Estação Elétrica, produtora de cinema de Porto Alegre, para fazer um still fotográfico para uma entrevista com Andy Summers e Roberto Menescal,  sobre  “Orfeu Negro” : Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1963. Filme que faz parte da história da cinematografia brasileira , e que tinha como protagonista um jogador de futebol do Rio Grande do Sul, chamado Breno Melo. “Pescado”  nas  ruas da cidade do Rio  pelo produtor françês, Breno se tornou uma celebridade e, tão rápido quanto se possa imaginar, caiu no esquecimento. O filme que o diretor Alexandre Derlam (Alex) está construindo versa sobre esse personagem e está em fase de captação.

 Daí surge o que se segue: No final do ano fui a Porto Alegre para fazer um concerto com a Orquestra de Câmera de Theatro São Pedro. Convidei essa equipe, o Alex, de quem tinha me tornado amigo,  para fazer uma captação de imagens para , talvez, um futuro DVD . O concerto realizou-se, e, realmente, fizemos a captação.

 As imagens lindas, som excelente, mas…nos veio uma sensação de “ tá… Mas, e dai?  É isso?, só isso? “

Não, não era só isso. Foi o começo de um processo que tem nos levado a muitos lugares,  a buscar  não somente imagens bonitas, cenários, mas um aprofundamento de nossas origens culturais a partir de um sul multifacetado, plural, diverso.

 Um grande making-off, um documentário. Se fez necessário esse tipo de formato, desse tipo de  espaço pra cantar essa canção. 

                          Confraria do Funcho, Uruguaiana, RS


Sou um homem nascido na fronteira oeste do sul do Brasil.

 Com o Uruguai e a Argentina  testemunhando  um mundo possivel de viver, além dos limites geográficos e culturais, desde pequeno me acostumei com a idéia de que esse mundo era transponível, tinha de ser. Além de qualquer convenção internacional de nacionalidades , além da aduana, da alfândega, do passaporte. O que me fez entender , também, necessáriamente, que a esse contato , eu tinha uma identidade: um brasileiro, aos olhos desses vizinhos.

Talvez, isso já bastasse, com  o amálgama de que é composta  a minha música  - o pop rock internacional, a música argentina, o tango, o chamamé, a milonga sul brasileira, o samba dos fuzileirios navais e o carnaval fronteiriço, a cancão italiana, o cinema françês, o Existencialismo,   a Jovem Guarda, o Tropicalismo, Mutantes, Gil, Caetano, os  anos sessenta, para uma sensação de integridade

Mas, a fronteira do Brasil, o oeste-sul do Brasil nos faz enxergar mais longe, queiramos ou não, ver outras possibilidades. 

                                                            Milonga marroquina

Composta de etnias inusitadas- franceses, catalões, árabes, sirio-libaneses, palestinos, judeus, bascos, além dos portugueses, negros, índios, espanhóis, e mais recentemente (falo de fronteira!) , italianos e alemães -, ao nos despir de todas a influências possíveis, vamos encontrar um espírito melancólico, reflexivo  ambientado no plano da lonjura e da imensidão.

 Um canto melismático, choroso, brota inconsciente: ai, aiaiaiaia, ai, aiai aiiiiiii…Que nos remete às franjas étnicas do norte da África, e que nos levou  até o Marrocos, Andaluzia, no sul da Espanha e Portugal.

     

                     Dan Ova e Veludo, Sambistas de Uruguaiana

Depois de termos filmado na minha cidade, Uruguaiana, entre a Confraria do Funcho, o corpo de veteranos dos fuzileiros navais, à beira do Rio Uruguai, em Paso de Los Libres na Argentina, no pampa,  fizemos essa viagem de descoberta às avessas.

 

                                  Penha flamenca em Jerez


Encontramos a correspondência, tanto no norte africano quanto so sul da Espanha,e , claro, em Portugal, em Lisboa.

 Ainda falta o Rio, falta Buenos Aires para cobrir  a extensão imaginada pela nossa aventura cinematográfica..

 Somaram-se a equipe,  desde o início, além de Alexandre Derlam, o diretor Rene Goya, os cinegrafistas Pablo Chasseraux e Jair a produtora Vivan Shafer e a equipe toda da Estação Elétrica. O roteiro está sendo elaborado pelo jornalista Márcio Pinheiro. Tudo dentro de um espirito onde os “ pitacos” são aceitáveis, claro.


                                              Equipe Estação Elétrica em Jerez


Eu sei que muito já foi pesquisado e vivenciado, mesmo dentro da nossa canção popular, isso já foi tocado aqui e acolá, mas nada minimiza a contribuição que esse filme pode trazer  para a compreenção do caráter da canção brasileira ao sul do Brasil e por extensão  do seu enriquecimento com esses novos anexos ao território  da nossa música popular, propriedade de todos nós brasileiros. 

  David Lagos, cantor flamenco, e Jesus Pulpón, produtor do filme na Espanha

Ah, em tempo, o nome provisório do filme é: Mais Uma Canção.Nesses países, por onde, até  aqui, estivemos, foram gravadas cenas com artistas locais. Buscando aproximações ,nos certificando de todas as diferenças, misturando tudo.

A estréia desse longa está marcada para o primeiro semetre do ano que vem.

Valeu Totonho. Deixo um super abraço a todos.

Bebeto 

 

Bebeto e o diretor Rene Goya em Tanger



Bebeto Alves é cantor e compositor com 23 discos e um DVD lançados. Autor de sucessos gravados por Ana Carolina,  Tânia Alves , Kleiton e Kledir, Ednardo e Belchior, entre outros.

Tem três filhas, Luna, Kim e  Mel Lisboa e três netos Ana Clara, Bia e Bezinho.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

DEPOIS DE MUITAS VOLTAS OUTRA VOLTA

 

Pois é, quase 30 vezes o sol nasceu no mar sem que eu conseguisse concentração para atualizar o blog. Andei fazendo uma reestruturação geral na vida profissional e particular. Passei a delegar mais funções a pessoas diferentes e isso exigiu de mim uma organização interna para que a distribuição se efetuasse de forma correta.  Em breve meu site também deverá entrar no ar com algumas mudancas que  refletem essa reengenharia.  No âmbito pessoal, tenho sido mais seletivo com as amizades. Tenho conhecido muita gente e  por isso passei a evitar pessoas que infelizmente me procuram apenas quando tem algum tipo de interesse. E assim segue a vida em seu ritmo ondulatório, uns vão  e gente nova aparece no pedaço.



Nesse período  aconteceram belos encontros musicais. Dia 23 de outubro,  Ana Carolina deu uma festa em sua casa pra receber John Legend. Foi muito bom conhecê-lo, afinal temos uma parceria bombada nas rádios sem que nunca tivéssemos trocado uma palavra. Foi bom ouvir de sua própria  voz que havia gostado da melodia que eu fiz para Entreolhares. Ele a achou emocionalmente intensa e muito boa de cantar  e , por isso, a letra em inglês teria fluido tão bem. Ficamos de fazer mais músicas juntos.  Além do bom papo, ele ainda deu canja tocando piano e cantando coisas do seu repertório com aquele feeling que só mesmo os grandes artistas do ritm & blues parecem ter.



No sábado, 24, fui ao show de Maria Bethânia, que me deixou muito emocionado, pois fala muito das coisas que estou vivendo agora. Fui no camarim dar-lhe um abraço apertado e agradecer os momentos sublimes.

Acho que foi o seu show mais simples e ao mesmo tempo mais emocionante a que eu já tinha assistido. Simples porque com menos instrumentação melódico/harmônica, deu mais ênfase às percussões o que deixou as músicas mais perto do chão.

Essa simplicidade associada ao excelente repertório e à total entrega de Bethânia ao interpretá-lo conduziram meu coracão ao encontro de emoções muito vivas, de tristeza, saudade,  alegria, esperança.

Bethânia tem o dom de adornar  cada palavra com um gesto, às vezes mínimo,  tornando tudo mais visível. As melodias brilham com os fonemas, às vezes um pequeno movimento das mãos ou do rosto carregam consigo toda essência do que está sendo dito. Só Betha faz isso com essa precisão.

Assim recordei "Pra Rua me Levar",  a primeira canção que, em parceria Ana Carolina, escrevi para Maria Bethânia.  Começava com os versos:

Não vou viver como alguém que só espera um novo amor  

Há outras coisas no caminho aonde vou ...

E na sequência:

sei olhar o rio por onde a vida passa 

 sem me precipitar e nem perder a hora

Enquanto escrevia, eu pensava na poesia de Fernando Pessoa, que  sabia ser uma das preferências literárias de Bethânia, mas também referia-me ao rio de Hieráclito, em eterna mudança assim como o homem, o rio que é fluss em alemão,  o fluxo da Cabala que equivale ao Tao na sabedoria chinesa, de onde venho tentando aprender a tomar  o Caminho do Meio, sem precipitação e sem atraso.

Hoje, essa letra  parece-me enriquecida de sentidos. E foi a própria existência que se encarregou de fazer isso. As vivências nunca se repetem e, se ficarmos atentos, nem mesmo a rotina existe, cada situação, por mais dejá vu que pareça, sempre carrega consigo novidades, basta que estejamos despertos e aptos a temperar esses momentos com novos sabores.



Continuo fazendo tudo o que posso de bicicleta. Nessa última semana, cem por cento honrada pelo sol, quase não saí de carro. Além do bem que faz à saúde, à economia e à atmosfera, as pedaladas são uma boa forma de concentração e reflexão.  Nos dias de passeio, faço longos percursos. Às vezes, vou até o Horto, amarro a bike e pego uma trilha pelo mato até a cachoeira do Chuveiro. Se tenho tempo, vou mais longe e prefiro fazer isso sozinho, em silêncio. Na subida da Floresta começa um trajeto interno de descobrimento, os pensamentos se organizam, depois cedem lugar ao encanto da paisagem, a Mata Atlântica derramando seu explendor, com seus perfumes e sons particulares, seus pássaros revoando e balançando os galhos. Em meio ao verde, lembro de Tom Jobim, que era um apaixonado pela Mata e  dedicou a ela sua obra.



No dia seguinte ao show da Bethânia, subi a estrada da Vista Chinesa, onde fiz uma pausa, passei pela Mesa do Imperador e segui até o  Alto da Boa Vista e de lá para a Estrada das Paineiras onde tomei um banho de cano (aquela queda d'água que também é conduzida por um cano que proporciona um jato grosso que lava até a alma).  Na volta, peguei o caminho pela Estrada das Canoas até São Conrado e depois retornei para a Zona Sul pela Niemeyer e ainda tive gás para tomar um côco em Ipanema, antes de subir pra casa de bem com a vida.



À noite, apesar dos quase 40 km percorridos com muito sobe e desce, estava inteiro e fui no aniversário do Milton Nascimento onde encontrei  Bárbara Mendes, Mart' nalia, Leila Pinheiro, Caetano, Seu Jorge, Moska, Jorge Vercilo, Flavio Venturini, Vanessa da Mata e Atalita Morais, entre muitos outros queridos amigos. Depois de  encontros e conversas, fizemos uma roda de violão que começou com samba, passou pelas baladas e fechou mais uma vez com samba pelas 4 da matina subindo as escadas no meio da chuva, na maior alegria. Milton estava muito feliz, radiante. Das festas em que fui na sua casa essa foi sem dúvida a que eu lhe senti mais feliz, havia uma grande integração e um espírito amoroso no ar.



Tenho ido a muitos lugares que não conhecia e voltado a frequentar alguns que haviam caído no meu esquecimento.Sexta passada, fui com minha amiga Lu Pessanha, a “Mulher Bomba”, conhecer  The Maze, uma casa de um gringo na Tavares Bastos onde rola uma festa regada a jazz e cerveja morna (ainda bem que não bebo), onde circulavam muitas pessoas bonitas, como a antropóloga Dani Ramiris  e  Mariana Palis, a anestesista incrível. A vista da Baía da Guanabara com Pão de Açúcar em destaque era absurdamente linda, mas a casa foi hiperlotando e se tornando cada vez mais quente, o jazz não era lá essas coisas e por isso não permanecemos uma hora.   A Tavares Bastos fica no Catete e, de tudo, o que mais gostei foi de ver uma favela apaziguada, sem presença de comandos, nem polícia e nem milícia. Parecia que estava em uma pacata cidade do interior, as ruelas limpas, os moradores tranquilos, as casas com boa estrutura. Isso deu-me alento,  fez-me pensar que os problemas estruturais do Rio podem ter solução.



O BRASIL DEVE METER A CARA

Depois dos últimos acontecimentos globais, pós-crise, com uma diminuição da influência americana e o avanço de países emergentes, uma nova configuração geopolítica começa a se desenhar. Sinto que o mundo está a cada dia olhando o Brasil com muito mais atenção e parece que há uma grande expectativa sobre como contribuiremos para criar uma nova ordem mundial. Nosso território continua sendo o mesmo desde a anexação do Acre e equivale a 16 vezes a área da França. Sempre fomos esse gigante abaixo do Equador, só que sempre estivemos fora do centro das decisões mundiais, nunca fomos levados a sério e nos projetamos mais como um país moleque, bom de bola e com samba no pé.  Agora chegou a hora de mostrar maturidade, de virarmos adultos assumindo uma posição de liderança compatível com nossas dimensões, nossas riquezas e nossas capacidades potenciais. Não há porque deixar essa oportunidade histórica nos escapar.



A Copa de 2014 , as Olimpíadas de 2016 e o Pré -Sal ampliaram um foco que já vinha sendo direcionado para o Brasil, desde que começamos a arrumar a casa já no primeiro período de FH, com o plano Real,  mas principalmente a partir do segundo mandato do presidente Lula com tudo o que ambos governos tiveram de contraditório e por mais que nos tenham desagradado em alguns momentos com posturas, discursos e  decisões equivocadas, entre elas a indiscriminada liquidação de estoques feita pelo presidente tucano.

E eis que ano que vem teremos eleições presidenciais e, no meu entender, nenhum dos candidatos que estão se apresentando parece ter  todos os coringas necessários para encarar esse novo desafio. A continuidade do governo Lula com Dilma oferece um perigo totalitário de centralização e estatização de tudo, que parece querer atingir até mesmo os setores de criatividade artística com o controle dos direitos autorais pelo Estado, o que seria um completo absurdo. Além disso, acho que a Dilma não tem o carisma do Lula e não obteria o mesmo respaldo do atual presidente entre os líderes das grandes nações. Corremos o risco de ficarmos com o que de Lula é sua parcela mais negativa.



Assim como Caetano, simpatizo com Marina Silva. Mas simpatia não é tudo nessa hora. Acho que Marina carece de um conhecimento maior das coisas administrativas e além  do que, me parece que lhe falta também um histórico que a qualifique como líder com capacidade para agregar quadros técnicos e politicos importantes em torno de seu governo.

O Serra é o Fernando Henrique sem charme e sem Sorbonne, com um tipo de proposta que parece já ter cumprido o seu papel  naquele momento de transição que antecedeu a Lula. À essa falta de novidade sinto aliar-se, no campo externo, uma ambição anêmica, quase nula, que risca descambar para o entreguismo e  a um estado de subserviência  a que não podemos mais retroceder. Prefiro de longe a cafonice  convicta do Lula com suas certezas históricas e sua fome quase infantil, de “quero o meu”, com ingenuidade suficiente para nunca sentir-se ridículo e capacidade de articulação impressionante a ponto de ter conquistado o status de estadista mais prestigiado no mundo atual, mesmo não sendo, pelas convenções instituídas, um homem (que se possa chamar de) letrado.



Mas, se houvesse uma possibilidade de terceiro mandato, o risco seria de dormirmos com Lula eleito e acordarmos com Chávez na presidência. Não o Chávez em pessoa, mas a personificação em Lula daquilo que o Chávez tem de pior, os aspectos ditatoriais que toda a permanência no poder tem o dom de engendrar, acrescidos de um fisiologismo sindical e um corporativismo faminto e discriminatório altamente perigoso.

Se eu fosse arriscar uma equação matemática somaria Marina  + Gabeira + Ciro Gomes e poderíamos ter uma boa proposta mas ainda assim talvez  faltasse carisma e tenacidade. 

A conclusão que chego é a de que quem vai fazer o novo Brasil é a sociedade civil organizada. Será através de nossa atuação que as coisas poderão tomar o rumo que desejamos. A meu ver o Estado deverá ser não o sujeito absoluto das transformações, mas sim um agente agregador e regulador, pra que não se cometam excessos nem injustiças e para onde as decisões sejam levadas para serem executadas ou encaminhadas para execucão por setores produtivos da sociedade seguindo as diretrizes sugeridas de forma participativa e descentralizada por associações que se criem de forma espontânea a partir das necessidades de cada localidade, dando mais autonomia às Federacões, para que se encontrem soluções específicas para os problemas locais, sem nunca perder de vista a totalibade do país e a integração que deve haver de parte a parte. Para mim, portanto, o melhor candidato será aquele que estiver com  disposição para interagir abertamente com a sociedade, ouvindo suas propostas, incentivando projetos autônomos consequentes e investindo em novas tecnologias visando o reaproveitamento de matérias primas e a geração de empregos através de uma cadeia de micro, médias e grandes empresas de reciclagem, que a meu ver pode ser uma grande fonte de riqueza ao mesmo tempo em que atua na economia de  bens e nos processos despoluição e preservação da natureza. Para isso também terá de haver rigor quanto aos níveis de emissão de dejetos, obrigando as grandes empresas a mudarem seus modelos de produção tendo em vista uma maior responsabilidade social e ecológica.



Muitos se perguntarão, como esperar que isso aconteça no Brasil, com a polícia matando e roubando, com o poder paralelo nos morros e periferias, com os estudantes tapados, reprimidos e agressivos agindo de forma violenta sob a  proteção de uma Universidade a comportar-se como uma instituição medieval, como aconteceu no episódio envolvendo alunos da Uniban recentemente.

Mas o fato da Uniban ter voltado atrás na sua decisão devido aos protestos da sociedade reforça essa minha fé  no poder de organização das comunidades, dos bairros, das tribos, das minorias e maiorias, dos ecologistas, dos empresários com visão de futuro organizados em prol de um crescimento limpo e responsável. Portanto, temos sim que pensar e muito em quem depositar nosso voto, mas com a convicção de que teremos que fazer nossa parte colaborando ativamente para essa transformação.



Semana passada estive envolvido em duas situacões em que a polícia do Rio agiu de forma abusiva. Um dia, no centro da cidade, um rapaz que fazia entregas vinha com um carrinho cheio de marcadorias quando teve uma de suas caixas furtadas por dois jovens que sairam correndo pela rua sete de setembro. Ao serem perseguidos, o que portava a caixa jogou-a no chão e conseguiu escapar, o outro, apesar da habilidade nos dribles de corpo, acabou tomando alguns socos e pontapés e perdeu velocidade sendo paralisado por um guarda que o algemou e o jogou no chão.

Nesse momento, uma parte da multidão que se aglomerava na volta começou com gritos de mata e lincha.  Contestei um homem que fazia coro a esses absurdos do meu lado e ele respondeu que “bandido bom era bandido morto”. Eu lhe disse que seu pensamento sim era um pensamento de bandido,  porque matar ou incitar à morte é crime muito maior do que furtar uma caixa de mercadorias.

 Nisso, o policial deu um pisão nas pernas do autor do furto, o que me pareceu uma forma de avivar a brasa daquele “espetáculo”. Não pude assistir àquela cena passivamente e gritei pro guarda;

-       Que é isso rapaz? Porque vc estava fazendo isso? o cara já está imobilizado!

-       Ele disse que era pra o sujeito ficar melhor sentado

-   Respondi que ele estava abusando da sua autoridade e que estava fazendo aquilo pra agradar a sua platéia.


FFoi quando chegou outro guarda com uma rapaz negro pelo braço que gritava: "sou trabalhador, sou trabalhador, tá aqui minha carteira, eu trabalho no taxi balsa," e mostrava a carteira de trabalho.

-       O guarda falou: vc estava com eles, vc estava correndo também.

-       E o cidadão respondeu que estava correndo porque estava atrasado para o trabalho,  mostrou seu crachá, e , quase chorando, pediu pelo amor de deus que o guarda não cometesse com ele aquela injustiça

-       O guarda tentou lhe dar um passa pé mas ele resistiu.

-       Quando foi dar o segundo, me atravessei e disse pro guarda: pára com isso! vc não vê que pode estar mesmo cometendo uma injustiça?  O cara tá te mostrando a carteira de trabalho dele, verifique antes de sair batendo. Um terceiro guarda que parecia comandar a operação  deu-me razão e afastou o outro dizendo que ia se ocupar do sujeito.

-       Vendo que estava tudo certo liberou o injustiçado, que ficou de longe gritando

-   - "eu não sou ladrão, eu sou honesto. Só porque eu tava correndo. No Brasil preto correndo é ladrão. Vc é racista. Eu sou trabalhador e se fosse ladrão não ia roubar essa mixaria, ia logo roubar um banco."

Então fui até ele e disse-lhe para se acalmar, para sair dali, que voltasse ao seu trabalho, que ele tinha razão, era indigno o que ele havia sofrido, tanto que eu o tinha ajudado, mas que se insistisse naquela atitude poderia dar motivos para os policiais mudarem de idéia e até enquadrá-lo em desacato a autoridade, ainda mais com todo aquele público diante do qual não poderiam ser desmoralizados. Ele se foi, espumando.

 Voltei e, vendo lado a lado o entregador e o ladrão, percebi que eram muito parecidos, mulatos suficientemente claros para serem chamados de brancos, ambos por volta de 24 anos, com bermudas, camisetas e boné parecidos. Até mesmo uma barba rala adornava ambos os rostos e os narizes levemente aduncos lhes eram semelhantes.

Mirei  o rapaz que tentara roubar e lhe disse, apontando o entregador:

      " Cara,  olha bem pra ele, vocês se parecem, tem a mesma idade, devem até gostar das mesmas coisas, são fisicamente parecidos e se vestem da mesma forma, poderiam fazer parte da mesma turma, talvez venham a se encontrar num baile à noite. A diferença é que ele estava trabalhando e você roubando. E decidiu roubar um cara que poderia até ser seu amigo. E agora você está aí sentado no chão, algemado, com todas essas pessoas ao seu redor lhe fazendo ameaças. Olha só em que merda você se meteu."

 Ele tentou dizer que estava perseguindo o verdadeiro ladrão, mas não colou porque o entregador o vira segurando o carrinho enquanto o outro pegava a caixa.

O mais impressionante era o ladrão ter pego aquela caixa sem saber o que havia dentro. Um roubo que era também uma espécie de loteria com poucas possibilidades de conter um grande prêmio. É esse Brasil que precisamos equacionar.



Outro dia estava com umas amigas no lado de for a do Azul Marinho, o restaurante do Hotel Arpoador Inn, que espalha suas mesas no passeio  sobre a praia. Entre as mesas e as paredes do hotel passa uma via pequena para um carro que serve de acesso aos moradores dos prédios vizinhos e à policia para suas rondas até a pedra.

Eis que um carro de polícia passa correndo a uns 60 por hora saindo daquela viela onde a velocidade não deve ser ultrapassada dos 20km/h. Dei um grito mas não adiantou.

Daqui a pouco eles voltaram na mesma velocidade. e dessa vez, pela mesma via,  vinha um garoto com menos de 10 anos andando de bicicleta de quem o carro da polícia se aproximava sem aliviar o pé. Vendo aquilo levantei fui em direção à viatura fazendo sinal com as mãos e gritando. Eles diminuiram e quando chegaram perto falei.

" Tá maluco? Isso não é velocidade para se andar aqui. Não vê que vocês coloca a vida das pessoas em risco? Vocês tem que dar o exemplo."

Um deles respondeu que estavam atendendo a uma ocorrência e que se chegassem tarde era deles que iam cobrar.

E eu respondi que se atropelassem alguém andando ali naquela velocidade também era deles que iriam cobrar e que havia todas aquelas testemunhas ali do restaurante.

Os caras não falaram mais nada e seguiram bem mais devagar.

Na volta vieram quase parando, eu estava de costas e quando chegaram perto de minha mesa dimiruiram ainda mais e ficaram olhando, as meninas reagiram com o olhar e, quando eu me virei,  eles seguiram

Esse tipo de atitude quando você está convicto, coberto de razão e amparado na lei acaba intimidando até mesmo esses caras truculentos. Afinal, eles não tinham como saber se eu era um policial superior de folga, ou à paisana.  A policia do Rio já sabe que a sociedade está de olho nela também.

O incidente envolvendo Itaipu e Furnas ontem à noite mostra o quanto toda centralização é perigosa.  Houve já um grande investimento nessas hidrelétricas e não há como abrir mão de seus benefícios agora, mas temos que ter um plano B que inclua soluções locais, menores, com energia gerada por novas fontes,  que podem até vir do reaproveitamento de matéria orgânica e que numa emergência possam suprir as necessidades de uma cidade por um razoável período de tempo.

Isso corrobora com minha idéia de que empresários com uma visão avançada podem dirigir seus negócios para esse tipo empreendimento. Já citei em comentário ao post Jogos, Futuro, Amor, Cidadania os casos da Novagerar e da Biogás de Nova Gramacho aqui no Estado do Rio como exemplos bem sucedidos desse novo modelo de pensamento empresarial com responsabilidade ecológica e social.

Mas tudo isso ainda está engatinhando, a podridão é muito grande, mas eu prefiro colaborar para as mudancas a pensar que o mundo como conhecemos terminará em 21.12 de 2012. Aliás, sexta estréia o filme, que pretendo assistir e comentar depois. O Calendário Maia e as previsões feitas para daqui a 3 anos e pouco são um tema interessante a ser debatido. Quem tiver interesse que vá preparando seus argumentos.



Ontem à noite, com o apagão, o Rio tornou-se uma paisagem diferente, com focos de luminosidade emergindo da neblina entre o vazio dos prédios e os faróis dos carros dançando como se não houvesse chão. A visão não era bela, mas sublime, na acepção de Kant. Mais comovente do que encantadora,  causando  espanto, respeito, quase medo, mas com uma força de atrair o olhar que me fez permanecer ali por um bom pedaço de tempo.  

O dia amanheceu com tudo normalizado, o céu tomado pelos albatrozes e urubus, os bentevis atacando corajosamente um gaviãozinho na antena de um prédio vizinho e o casal de sanhaços namorando entre as roseiras da minha varanda. Depois ouvi um piado forte e insistente vindo de um quarto dos fundos. Chegando lá, me deparei com um lindo passarinho de plumagem muito colorida que depois identifiquei como  um Tangará de Cabeça Azul,  que ficou a me olhar e piando sem receio ainda um bom tempo, para depois tomar o rumo dos Dois Irmãos. O milagre da vida não pára!



Sexta viajo pra São Paulo para a estréia do novo show de  Ana Carolina, assinado por Bia Lessa, que vem com uma concepção diferente e cheio de novidades legais. Hoje assisto ao último ensaio corrido. E, até o final do mês também, deve chegar às lojas o novo DVD  da Ana, uma superprodução dirigida por Monique Gardenberg, com fotografia de Lauro Escorel e cenário de Gringo Cardia.

Em função desse lançamento e de outros fatores importantes, meu disco só sairá em março. Em breve darei mais notícias.  

Boa continuação de semana. Beijones.



P. S.
  U  R  G  E  N  T  E



Recebi ontem o belo disco do meu amigo "Carlos Eduardo" Dudu Falcão . Hit maker de prima,  gravado por A a Z da MPB, Dudu  mostra suas canções de forma confessional, como se estivéssemos com ele, senta
dos a volta de um bom vinho. E o vinho é feito do sumo da sua delicadeza, das coisas que ele sabe, de sua crença e paciência. Produção sutil e inteligente de Max Viana. Belos arranjos de Roger Henri, intrumentação leve e 
chique, com destaque pro acordeão de Alessandro Kramer  Bebê (sempre ele!) Falarei melhor num próximo post.  Valeu Dudu! Parabéns!!!



Só no pedal!