Tenho saudades de meu pai, de meus avós, de alguns amigos que já não estão aqui.
Mas muitas vezes usamos essa palavra na falta de outra para expressar uma cara lembrança, algo que ficou guardado com carinho no ninho dos afetos.
Lembro de, aos 7 anos de idade, ter contraído caxumba e ter permanecido na casa de minha avó, porque na casa de meus pais já padeciam minha mãe e um de meus irmãos. Foi um surto daquela doenca na cidade que pegou todo mundo na minha família, exceto meu pai, porque já a havia contraído em sua infância.
O quarto em que fiquei era contíguo ao de meus avós. A janela ampla inundava o ambiente de luz e dava para um lindo jardim, com rosas, margaridas, hortências, jasmim, mimos de vênus e muitas outras flores.
Encostada na parede daquela janela, ficava a máquina de costura de minha avó e, às vezes, ela passava um pedaço da tarde ali, costurando.
Assim como também fazia doces e cuidava das plantas, ela costurava, tricotava e fazia crochet. Em dezembro criava enfeites de natal dourando pinhas e ornando-as com laços vermelhos. Tudo por amor, para ocupar seu tempo e para proporcionar beleza, conforto e alegria às pessoas de quem gostava.
No jardim da minha avó, com irmãos, primos e tios De pé: Ângela, Tio Mário, Tia Anita, eu, Vó Maria, Carolos Eduardo. Agachados: Gastão, Lúcia, Didito, Lívia, Helena e tia Dedé
Não trabalhava para fora, meu avô tudo provia, isso era o mais natural no tempos em que se casaram, naquela região dos pampas, onde se situa São gabriel, a cidade onde nasci.
Durante aquele período da caxumba, ela tricotou uma boa parte de uma manta colorida que deu para minha mãe. Enquanto ela se ocupava em seus afazeres, eu lhe fazia perguntas e aprendia com sua natural sabedoria.
Lembro de, alguns anos antes, eu ter visto, em uma cômoda daquele quarto, uma imagem em sépia do Cristo crucificado, visto de longe em um dia nublado, a atmosfera carregada de chumbo, como deveria estar o Monte das Oliveiras naquele dia fatídico que nos conta o Novo Testamento.
Ao ver essa foto, perguntei para minha avó quem era aquele homem ferido, com os braços esticados em uma cruz. Ela respondeu que era um homem muito bom que fora morto pelos soldados romanos.
Eu devo ter feito muitas outras perguntas, mas minha memória reteve essa parte que me pareceu suficientemente importante. A imagem de um homem bom em um dia cinza, morto pelos soldados. Então esses soldados eram maus, com certeza!
Meu avô, que acordava pelas 5 da matina, costumava tirar um cochilo antes do almoço. Enquanto convalescia, no quarto ao lado ao seu, eu costumava ler para ele em voz alta alguns assuntos que versavam em uma enciclopédia que eu e meus irmãos havíamos acabado de ganhar.
Eu lia sobre os minerais, o que era o feldspato, o talco, a mica. Sobre as reservas de carvão e petróleo, como se extraía o ferro, como se fundia o aço.
Também gostava o capítulo dedicado à Via Láctea e ao nosso sistema solar, a descrição dos planetas. Atraíam-me, especialmente, os anéis de Saturno e as cores de Júpiter, um planeta gasoso com composição semelhante à do sol.
Em outro volume, havia um longo capítulo dedicado aos dinossauros, com ilustrações do diplodocus, do tiranossaurus rex e do triceratops. Era um convite à imaginação ler sobre aqueles répteis imensos que um dia reinaram sobre a Terra.
Meu avô, assim que deitava, me pedia que lesse. De vez em quando, eu testava sua atenção, falando bobagens desconexas para ver se ele me ouvia ou se havia dormido. Ele sempre reagia, em uma prova de que estava acompanhando a leitura.
Tenho isso como uma linda lembrança.
E poderia dizer: - que saudades daquele tempo!
Mas confesso que não é bem esse o sentimento. Tenho um agradecimento por ter passado por essa experiência, pelas sessões de leitura com meu avô, pela dedicação de minha avó e sua cozinheira, a Dona Maria, que, na hora do almoço, trazia uma bandeija com salada, peito de frango, arroz branco e suco de laranja. Era recomendação médica que eu comesse coisas leves, mas com substância.
Portanto, muitas vezes falamos a palavra saudade, quando, na verdade, o que está se manifestando são sentimentos vizinhos a esse.
Os sentimentos são como uma complexa palheta de cores, com nuances intermediárias e não devemos tomar o azul celeste pelo cobalto nem o rosa pelo vermelho.
Durante aquele período da caxumba, ela tricotou uma boa parte de uma manta colorida que deu para minha mãe. Enquanto ela se ocupava em seus afazeres, eu lhe fazia perguntas e aprendia com sua natural sabedoria.
Lembro de, alguns anos antes, eu ter visto, em uma cômoda daquele quarto, uma imagem em sépia do Cristo crucificado, visto de longe em um dia nublado, a atmosfera carregada de chumbo, como deveria estar o Monte das Oliveiras naquele dia fatídico que nos conta o Novo Testamento.
Ao ver essa foto, perguntei para minha avó quem era aquele homem ferido, com os braços esticados em uma cruz. Ela respondeu que era um homem muito bom que fora morto pelos soldados romanos.
Eu devo ter feito muitas outras perguntas, mas minha memória reteve essa parte que me pareceu suficientemente importante. A imagem de um homem bom em um dia cinza, morto pelos soldados. Então esses soldados eram maus, com certeza!
Meu avô, que acordava pelas 5 da matina, costumava tirar um cochilo antes do almoço. Enquanto convalescia, no quarto ao lado ao seu, eu costumava ler para ele em voz alta alguns assuntos que versavam em uma enciclopédia que eu e meus irmãos havíamos acabado de ganhar.
Eu lia sobre os minerais, o que era o feldspato, o talco, a mica. Sobre as reservas de carvão e petróleo, como se extraía o ferro, como se fundia o aço.
Também gostava o capítulo dedicado à Via Láctea e ao nosso sistema solar, a descrição dos planetas. Atraíam-me, especialmente, os anéis de Saturno e as cores de Júpiter, um planeta gasoso com composição semelhante à do sol.
Em outro volume, havia um longo capítulo dedicado aos dinossauros, com ilustrações do diplodocus, do tiranossaurus rex e do triceratops. Era um convite à imaginação ler sobre aqueles répteis imensos que um dia reinaram sobre a Terra.
Meu avô, assim que deitava, me pedia que lesse. De vez em quando, eu testava sua atenção, falando bobagens desconexas para ver se ele me ouvia ou se havia dormido. Ele sempre reagia, em uma prova de que estava acompanhando a leitura.
Tenho isso como uma linda lembrança.
E poderia dizer: - que saudades daquele tempo!
Mas confesso que não é bem esse o sentimento. Tenho um agradecimento por ter passado por essa experiência, pelas sessões de leitura com meu avô, pela dedicação de minha avó e sua cozinheira, a Dona Maria, que, na hora do almoço, trazia uma bandeija com salada, peito de frango, arroz branco e suco de laranja. Era recomendação médica que eu comesse coisas leves, mas com substância.
Portanto, muitas vezes falamos a palavra saudade, quando, na verdade, o que está se manifestando são sentimentos vizinhos a esse.
Os sentimentos são como uma complexa palheta de cores, com nuances intermediárias e não devemos tomar o azul celeste pelo cobalto nem o rosa pelo vermelho.