terça-feira, 28 de outubro de 2008

O REDENTOR ESTÁ COM UMA COR ESTRANHA



Hoje gostaria de falar só de música, de comentar o que tem sido escrito aqui pelos visitantes da Câmera, mas comecei a semana triste com o resultado das eleições no Rio de Janeiro e não conseguirei fugir desse tema.

Parece que o plano do governador Sérgio Cabral de fazer o feriadão para tirar os eleitores do Gabeira da cidade funcionou. Ficaram de fora das eleições aqueles que estavam indo só na onda, aqueles que acharam que não fariam falta e aqueles que queriam votar mas infelizmente   tinham outros compromissos fora da cidade.  

A abstenção foi de 20% dos eleitores, o que chega a quase 1 milhão de pessoas, sendo que os maiores índices de faltantes aconteceram no Centro (30%) e na Zona Sul (25%), ambos redutos eleitorais de Gabeira. Como se sabe a diferença entre os candidatos foi muito pequena, portanto os votos dos que se abstiveram fizeram falta.

É uma pena que as pessoas tratem seu próprio destino dessa forma. E é claro que havia muitos eleitores de Paes que também foram só na onda, outros foram por cestas básicas, outros por R$ 50.  Soube-se  que Eduardo Paes fez campanha no domingo percorrendo 250 Km da cidade fazendo essas ofertas, o que é ilegal. Ia de carro de um bairro a outro, percorria ruas a pé, às vezes  correndo pra ganhar tempo  e fazendo agradinhos até que seus advogados o dissuadissem para que não causasse anulação do pleito. 

Falou-se também em uso de Caixa 2, desvio de merenda escolar para comprar votos aqui e ali. Sabe-se também de mesários que votaram no lugar dos ausentes. Teve o caso de um eleitor que compareceu nos últimos minutos e constatou que haviam votado no seu lugar. 

Também ouvi uma história muito escabrosa de que Paes teria chantageado Lula com um dossiê que incriminaria um dos filhos do Presidente, o que não é de se duvidar, pois como é que o Lula depois de resistir à adesão da campanha, entre outras coisas, por ter sido chamado de chefe da quadrilha por Paes na época da CPI do mensalão,  veio ao Rio, apertou a mão, fez fotinho e submeteu-se às  câmeras de vídeo engordando o programa eleitoral do seu desafeto? 

Na ausência de uma prova concreta, prefiro pensar que a podridão não tenha ido  tão longe, pelo menos por parte do Presidente.

Enfim, também gostaria de acreditar no prefeito eleito para governar o Rio, que ele vai trabalhar mesmo para a melhoria da cidade. Mas quando abro hoje o jornal a manchete já fala da quebra de 3 promessas de campanha por parte de Paes logo no dia seguinte ao da sua eleição.
O que pode vir depois?

Hoje o Cristo está com uma luz vermelha. 
Será que foi a pedido do Paes?

Eu preferia que estivesse verde.
Mas o Gabeira não renunciou às suas idéias de mobilizar a população e pretende conclamar os cidadãos para ações comunitárias efetivas contra a dengue e outras mazelas. Fiquemos atentos e vamos fazer nossa parte.

Boa semana à todos.
Quand même! *


* Interjeição dita até hoje pelos franceses e que foi consagrada na época da restauração do regime monárquico (1814-1830), e que significa mais ou menos "apesar de ..."

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE GABEIRA


 Essa semana,  o Rio voltou a ser uma cidade ensolarada,  como aquela que  imaginava na minha infância nos pampas, com mar de ondas verdes  e espuma luminosa, a geografia delineada e os passaros nítidos contra o céu azul.  

Com o tempo bom, voltei a pedalar e, durante meus percursos, revivi algumas passagens da história de amor que tenho com o Rio de Janeiro., começando pela primeira  canção que compus, uma ode ao Rio, que escrevi quando tinha 10 anos de idade.  

Estávamos em São Gabriel no mês de fevereiro e forçados pela chuva, meu irmão Gastão, meu primo Didito e eu resolvemos fazer um campeonato de canções. Não tocávamos nenhum instrumento a não ser bater em latas e mesmo assim nos separamos em quartos diferentes, eles em dupla e eu sozinho para compormos à Lupicínio, sem acompanhamento imaginando a harmonia na cabeça.

No quarto em que fiquei, havia uma revista com uma reportagem sobre as chuvas de verão do Rio, com imagens de deslizamentos e carros arrastados pelas águas. Aquilo para mim parecia um contrasenso e felizmente nas páginas seguintes apareciam fotos do Rio como eu gostava de ver, cenas do Maracanã, os cartões postais, os bikinis em Copa e Ipanema

Rapidamente rabisquei um refrão que era simplesmente o nome da cidade repetido com uma melodia que ia mudando e alguns versos falando das praias, dos  times, das belezas naturais com rimas  ingênuas do tipo Copacabana e Vasco da Gama.  

Cinco anos depois, nas férias de julho, finalmente conheci o Rio e aqui festejei meus quinze anos de idade. Vim com meus irmãos, Gastão e Carlos Eduardo, em um ônibus da Viação Penha numa viagem de 24 horas, deixando para trás as manhãs enevoadas e as folhas brancas de geada do inverno gaúcho.

O contato direto com a cidade foi um deslumbramento. Tudo era vivo e novo,  a luminosidade, os perfumes, o colorido da paisagem, as roupas estampadas, as peles douradas das meninas e os cabelos descoloridos dos surfistas. Ia a  praia todos os dias e me esbaldava pela noite de  atmosfera inebriante com brisa leve e maresia.

Passei parafina no cabelo, peguei jacaré no Arpoador, voltei queimado de sol e com os cabelos amarelados nas pontas. Queria conservar-me assim até o verão, mas o mês de agosto do sul tinha um sol tênue, muito bom pra se comer bergamota  no portal de casa, mas que não sustentava o bronze por muito tempo e assim voltei à minha cor invernal que se manteve até a chegada de dezembro.

Passados muitos anos, estava em Viena para fazer alguns shows  num clube de jazz chamado Porggie & Bess e encontrava-me na casa de uma amiga, Denise Fontoura, entre o Natal e ano novo quando, na televisão local,  passou uma reportagem sobre o Rio de Janeiro que mostrava o massacre da Candelária, a chacina de Vigário Geral e outras mazelas. 

Assistir àquela matéria em um país distante com a neve caindo lá fora a menos 16 graus centígrados, provocou-me um profunda tristeza.  Senti que só fazendo uma nova canção poderia aliviar minha dor.

Então lembrei que dias antes de minha viagem à Europa, assistira em Porto Alegre,  junto com meu amigo e grande músico Jorginho do Trumpete, que é filho de mãe de Santo, a uma cerimônia de Umbanda na beira no Rio Guaíba. E fiquei com uma levada de percussão na cabeça que era, como Jorginho me explicou, um ponto de Oxóssi. Assim como no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul Oxossi é sincretizado com São Sebastião.  

Daí fui ler sobre Oxóssi e,  num um livro de Pierre Verger aprendi que ele é caçador, irmão de Ogun e tem outros nomes/qualidades: Odé, Otin, Inlé ou Iboalama.

Fiquei obcecado com a idéia de compor uma música com a levada percussiva do ponto de Oxóssi e, para fazer a letra, resolvi pesquisar também sobre a vida de São Sebastião.  

Foi então que aprendi que, por volta de  300 DC, Sebastião alistou-se no exército romano e veio a fazer parte da guarda pessoal do imperador Diocleciano, não no intuíto de protegê-lo, mas sim de, clandestinamente,  prestar socorro aos cristãos cuja perseguição havia sido decretada pelo mandatário de Roma. 

A imagem que conhecemos do Sebastião flechado  reconstitui o dia em que, ao tomar conhecimento das ações do seu soldado, o  imperador condenou-o por traição e ordenou sua execução por hábeis arqueiros da Mauritânia que deveriam crivá-lo evitando acertar  os seus órgãos vitais para que seu suplício fosse longo. 

Eis que, apesar dos numerosos ferimentos, Sebastião sobreviveu ao atentado e foi socorrido por uma viúva chamada Irene (Santa Irene) que o ajudou a se reestabelecer,  para depois retornar ao centro do império e prosseguir com a missão a que se havia incumbido. No dia 20 de janeiro voltou a apresentar-se perante Diocleciano, para reafirmar a sua fé e censurar as injustiças e crueldades praticadas pelo Imperador que manbdou espancá-lo até a morte.

Como se sabe, Sebastião foi canonizado e passou a ser também venerado como protetor da humanidade contra a peste, a fome e as guerras.  

Logo depois de assistir àquela reportagem na TV austríaca,  todas aquelas informações sobre o Santo e o Orixá vieram à minha cabeca e juntando-se ao fato de São Sebastião ser o padroeiro do Rio de Janeiro comecei imediatamente a fazer uma canção, com uma melodia sinuosa que fazia lembrar as curvas da cidade com uma harmonia e um ritmo que se aproximavam da bossa nova. No princípio relutei pois meu desejo era compor com o ritmo do ponto do Oxóssi, mas a canção foi se impondo e deixei que ela viesse no formato que me pedia. Em menos de uma hora estava pronta.

Batizei de São Sebastião em homenagem ao padroeiro e fiquei tão entusiasmado que, logo depois, liguei para o Gastão que estava no Rio pra mostrar a nova criação. Ele, com seu humor habitual exclamou:

-     - Daquela sua Rio de Janeiro pra cá, melhorou muito!                                                                

       Décadas haviam se passado e ele me fez lembrar daquela antiga música guardada em um remoto caderno da minha infância. 

       São Sebastião (a canção) teve, até hoje, quatro gravações. A primeira ocorreu em Viena por uma dupla de cantores brasileiros residentes lá, Izabel Padovani e Marcelo Onofri. 

   Em 2004, gravei no meu primeiro disco ao vivo com a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro de Porto Alegre levando a música a ser indicada ao Grammy Latino como Melhor Canção da Língua Portuguesa. 

    Depois foi a vez de Mart' Nalia gravar no seu belíssimo disco Menino do Rio dirigido por Maria Bethânia que fez intervencões recitando versos de Vinícius de Moraes

     E finalmente gravei uma outra versão no DVD Sinal do Tempos, novamente com o acompanhamento luxuoso da Orquestra de Câmara Theatro São Pedro e que pode ser conferida  no meu site. Lá estão letra e música e no Hot Site há  uma versão inteira para se escutar. 

    Hoje é sexta-feira, o fim de tarde continua bonito com cigarras cantando e daqui a pouco vou sair para uma sessão de autografos do poeta Fabrício Carpinejar na Livraria da Travessa do Leblon. 

    Olho pro Rio e lembro que suas matas são protegidas por Oxóssi. A cor de Oxóssi é o verde. E é com verde que vou sair vestido sábado e domingo.  Por isso convido os simpatizantes com Fernando Gabeira a fazerem o mesmo. 

    Recebi e repassei um e-mail falando disso, para criarmos uma onda verde e, silenciosamente mostrarmos a nossa preferência política e influenciarmos os indecisos na eleição de domingo.  

    O governador Sérgio Cabral decretou  feriado na segunda para ver se os eleitores de Gabeira, que ele julga serem mais abastados, façam uma debandada da cidade e esvaziem a eleição. Mas os eleitores de Gabeira também são mais conscientes e não trocarão 4 anos que podem mudar a cidade para melhor por um fim de semana prolongado.

     Então é isso gente. Bom fim de semana, voto consciente e bons passeios.

Abraços a todos

PS. Como sempre, tenho lido atentamente todos os comentários. Obrigado pelo carinho e contribuição de vocês. Hoje fiquei sem tempo para falar sobre isso, mas num outro post falarei. 

terça-feira, 21 de outubro de 2008

ALMÍSCAR


Tenho andado mesmo sem tempo para escrever aqui, pois estou com muitas canções por terminar, letras que estou fazendo para algumas melodias que me enviaram, uma música para um disco do meu time, o Internacional e também coisas para meu disco novo, além de gravações e mixagens.

Pretendo postar um texto em prosa em um ou dois dias, enquanto isso deixo três pequenos poemas que escrevi em um dia de chuva. Não possuiam nome e resolvi batizá-los com uma palavra que talvez os una, pois combina com o perfume delicado dos versos.

Boas vibes a todos!


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ALMÍSCAR


Os dedos delicados vão descendo

Buscando aninhar-se entre novelos

Passeiam entre pétalas e pêlos

E aportam no portal de vênus

 

As ondas derivadas desse encontro

Invadem pela praia o continente

E toda guarda cai como num sonho

Deixando um só gemido inconsciente

 

O universo todo em torvelinho

Concentrado fica nesse instante

Como se voltasse pro seu ninho

Pra recriar o espaço onde se expande

 

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 A garça gravitando na garoa

A proa apontada pro poente

A língua levitando uma leoa

Ao som da flauta pan em sua mente

 

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Havendo o beija-flor bebericado

Na fonte de um gerânio hospitaleiro

Vôou levando o bico açucarado

De um pólen que buscava paradeiro

 

E assim beijando a ave outras flores

Que amores despertavam só de vê-las

Sentiu-se logo o pólen encantado

Levando um gineceu a ver estrelas


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terça-feira, 14 de outubro de 2008

SIM E NÃO


Essa semana foi muito corrida, só hoje estou conseguindo postar. Além das minhas gravações também  fiquei envolvido com assuntos do disco Boa Hora de uma cantora muito bacana chamada Marisa Rotenberg, que será lançado pelo meu selo Pic Music. O CD foi produzido por Gastão Villeroy e Eugenio Dale e tem músicas de uma galera nova e antenada, entre eles, Domênico e Alvinho Lancelotti,  André Carvalho, Luciana Pestano e ainda os craques Zeca Baleiro, João Suplicy e João Pelegrino.  
Além do bom repertório,  os arranjos estão muito legais, com uma atmosfera bem brasileira e Marisa está dando muito bem o seu recado. O disco será lançado no dia 24 novembro com show no CCC (Centro Cultural Carioca) no Rio de Janeiro.  Fiquem atentos! Em breve dou mais notícias.

Vi que muita gente passou pela Câmera e comentou. Gostei das colaborações sobre as balzaquianas e proustianas. Samuel, não creio que esse texto sobre mulheres com mais de 30 tenha sido escrito por Arnaldo Jabor. Achei um pouco fora do estilo e do aprouch dele. Onde você achou esse texto?

Isso é muito comum de acontecer na internet. O Luis Fernando Veríssimo  falou que vários textos são publicados com sua assinatura e enviados por e-mail e que muitas vezes são até textos bons, que ele fica surpreso, mas que não têm nada a ver nem com suas temáticas nem com sua liguagem. 

Anna Luna você sempre enriquece as discussões. Gostei de seus comentários sobre homens e mulheres, a questão da adoção, a forma de aproveitar o tempo e seu pedido de delicadeza à ala masculina.  

E também o que você falou sobre Tolerância e Nada te Faltará, duas músicas que gosto muito. Sexta-feira, conheci pessoalmente o Lokua Kanza, maravilhoso compositor e cantor natural do Congo, com várIos discos lançados e que gravou os vocais de Nada Te Faltará no disco de Ana Carolina, ampliando os horizontes da canção, tornando mais evidentes seus múltiplos aspectos. Voltarei a falar de Lokua num próximo post.   Sobre Tolerância, quase colocamos essa canção no show Além do Paraíso e é fato que quando fiz a letra pensava muito nas linhas imaginárias e reais que desenhamos ao longo do processo civilizatório,  as fronteiras  étnicas, religiosas, econômicas e comportamentais.  Mas a canção também parece estar falando de um simples caso de amor o que lhe confere  mais de uma camada de leitura, estabelecendo uma comunicabilidade do raso com o profundo.

Sobre a Obra Aberta, a inspiração veio sim do livro de Umberto Eco, que em 1962 já lidava com a idéia de participação ativa do intérprete ou fruidor na construção final  de um objeto artístico. Segundo Eco, a obra de arte é aberta porque não comporta apenas uma interpretação. Com isso ele antecipava o conceiro de pluralidade, muito usado hoje, não só nas artes mas em diversos domínios. E, juntando um assunto com outro, foi a pluralidade que tomei como ponto de partida para Tolerância, pois, com a canção, queria dizer que precisamos aprender a lidar com o caráter multifacetado do mundo. Isso evidencia que até mesmo  uma  simples canção como essa, inscrita no universo  pop, é plural e pode ter várias interpretações. 

Mas Umberto Eco ia mais fundo, falava de obras em que o intérprete de uma peça musical podia determinar a duração de uma nota, por exemplo, o que faria dele um co-autor.
Ou então criar várias obras e deixar as possíveis seqüências a serem definidas por quem delas participasse como observador ativo. Esse foi um dos fatores que me levou a dar o nome Obra Aberta à sessão de músicas novas, pois as músicas vão sendo colocadas na rede e os visitantes do site podem montar o disco como quiserem. Vários artistas tiveram essa idéia ao mesmo tempo. Alguns divulgaram seus procedimentos de forma mais eficaz parecendo assim que eram os autores únicos de uma idéia que está no ar pedindo urgência. Imagino que milhares de músicos estejam fazendo isso no mundo, nesse momento. É mais que uma tendência, é um dos inventivos caminhos a serem percorridos com arte nesses novos tempos.

Voltando aos conceitos expostos por Umberto Eco, trabalhei bastante com trilhas de teatro nos anos 80 e 90 e, para muitas criações, tomava como base os princípios da Obra Aberta. Em alguns trabalhos, servia-me de vários gravadores tocando ao mesmo tempo coisas diferentes, dentro de uma relativa harmonia e, a cada dia, conforme o clima dos atores e da platéia, rolavam combinações diferentes de sons, música especialmente composta com cordas + ruídos, vozes, falas, às vezes acrescentava um teclado executado ao vivo, criando texturas diversas, aumentando a entropia, relativizando a percepção do público. 

Nessa época, junto com o ator e diretor Marcos Barreto (que saía naquele momento do grupo de Gerald Thomas depois de anos de experiência na Ópera Seca) montamos com outros atores o espetáculo Sim e Não, que tratava de temas como a incomunicabilidade, a loucura, a alienação e a criatividade, dentro de um ambiente de realismo fantástico, mirando as obras de artistas como Bispo do Rosário, Van Gogh, Artaut, Nerval, Becket e Borges, entre outros. Nossas motivações buscavam fundamento na psicologia Junguiana e na física quântica onde as respostas são sempre Sim e Não. Uma das melhores apresentações desse show foi na abertura de um encontro latino americano de psicologia que houve em Porto Alegre, com debate dos participantes depois do espetáculo. Foi muito interessante escutar as diferentes interpretações que surgiram daquela platéia tão seleta. Ficou claro que entre Sim e Ñão pode haver muito mais do que um simples talvez.  A partir daí comecei a colaborar com alguns psicólogos, ministrando work shops e atuando no movimento  Sociedade Sem Manicômios
Portanto, Sim e Não foi até hoje a minha experiência mais completa de "Obra Aberta".
Pra quem se interessar, há algumas imagens desse espetáculo nas páginas de fotos do site. 


Voltando à sessão  Obra Abierta,  lá a conotação é também de acompanhamento, de deixar um trabalho aberto à visitação enquanto está sendo concebido e executado: um work in progress. É engraçado porque pensei primeiro em português, mas,  quando a tradutora enviou a opção Open Work, não achei que soava tão bem como nas línguas latinas e me pareceu que em inglês não havia uma identificação tão direta desse termo com a "obra" de Eco, que é italiano. Open Work parece trabalhar mais com a idéia de sistemas, de computador, de open sistems, coisas assim. Por isso optei por colocar, na versão em inglês do site, a expressão work in progress que é realmente o que estamos fazendo, junto com a participação do público. 

Como Anna Luna observou, essa sessão entrou no meu site no final do ano passado. E, respondendo à sua pergunta, não me surpreendi quando  Caetano Veloso apresentou, esse ano, um projeto  com o nome  de Obra em Progresso, pois esse título é uma simples tradução para o português de work in progress, uma expressão utilizada para obras em andamento e que Caetano certamente deve conhecer e utilizar há muitos anos.  Como já falei, essas idéias estão no ar e em total evidência nos dias de hoje, principalmente pra quem lida com internet e trabalha com música.  

Quem reclamou que ainda não fiz upload de Ouro e Além do Paraíso tem toda razão. Até semana que vem devem estar no ar.

Em novembro vou retomar o show Além do Paraíso. Estaremos no dia 4 no Tom Jazz, em São Paulo,  dia 12 no Mistura Fina no Rio e dia 19 no Opinião, em Porto Alegre. Em todos os casos tiraremos as mesas e deixaremos uma pista na frente do palco, como fizemos no Espaço laranja em setembro. O show é pra ouvir e dancar. 
Mais informações na agenda do site.

Fiz uma pausa para assistir ao programa do Gabeira, que está muito bonito. O mais incrível foi ver o Oscar Niemeyer junto com ele e as palavras que disse o nosso mais importante arquiteto. Quem ainda está indeciso, fique atento aos programas e debates. Eu não tenho dúvidas, Gabeira é o cara mais preparado e com as melhores intenções pra mudar o Rio de Janeiro pra melhor! Bem melhor!!!!

Por hoje é só.
Vou escrever menos pra ver se volto a escrever mais a miúde.

Abraços e boa semana a todos


PS> A foto é do disco de Marisa Rotenberg


Em tempo: 

O disco Devoragem de Bebeto Alves pode ser encontrado no Rio na loja Modern Sound:   www.modernsound.com.br

 O  livro Noiva de Renato Rezende foi publicado pela editora Azougue:  http://www.azougue.com.br/produto/89/



 

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

MILONGAS DOMINGUEIRAS, EL CUMPLEAÑOS DE CHICO BOSCO







Domingo, 5 de outubro. Um dia para se lembrar. Acordei perto de meio dia porque ficamos vendo filmes até tarde, entre eles O Último Bandoneon, um documentário que nos aproxima do universo desse instrumento de origem alemã, que foi criado para substituir o órgão em celebrações religiosas e que, ao chegar na Argentina, no começo do séc. XX,  encontrou no tango a música perfeita para expressar sua sonoridade, com uma recíproca tão verdadeira que parecem, o instrumento e o estilo musical, nascidos um para o outro. 
E, de fato,  aquela música descendente da milonga, com raízes africanas e  traços dos imigrantes italianos e, principalmente, dos gauchos vindo da la pampa, e que era tocada  na zona porteña de Buenos Aires com piano, flauta e violão, ao casar-se com o bandoneon atingiu o ápice de sua altivez,  de sua doçura e melancolia. 

Usando como fio condutor a história de uma musicista, Marina Gayoto, que, para integrar uma nova orquestra que estava sendo formada pelo brilhante compositor e maestro  Rodolfo Mederos,  precisava adquirir um bandonéon em boas condições, o diretor Alejandro Saderman traça um painel social e cultural da música e sua relação com a sociedade argentina, onde a atração principal  é o próprio tango, que se apresenta, no filme, enriquecido pelos belos arranjos de Mederos.  Era dia claro quando me despedi de la película.

Desperto e já distante do tango, no começo da tarde,  fui votar no Jóquei Clube da Gávea, onde, por coincidência, encontrei  o Marco Aurélio  Ribeiro, presença constante aqui na Câmera, e que, além de escrever sobre esportes no Globo, é também locutor de turfe. Ele gentilmente nos ciceroneou em um passeio pelo Jóquei fazendo-nos conhecer as tribunas, os restaurantes e as instalações profissionais, onde ocorrem a pesagem dos jóqueis e a cabine de onde são narradas as corridas. Obrigado, Matungão, pela sua cortesia.

Meu voto deu certo, o Gabeira foi pro segundo turno, e, à noite, fomos comemorar na casa do aniversariante do dia, Francisco Chico Bosco, escritor, filósofo e letrista, filho de Ângela e do grande mestre João Bosco de quem é parceiro em inúmeras canções. 

(Engraçado, hoje esse blog está com cara de coluna social! )

Mas a reunião foi muito divertida, servida atenciosamente pelo anfitrião e sua querida mulher Antonia Pelegrino, que também é escritora e roteirista e que sempre tem coisas interessantes a dizer. Aliás a festa estava propícia a boas conversas e foi muito bom reencontrar meu parceiro Bebeto Alves, cujo excelente disco Devoragem teve release assinado pelo Chico.

Entre amigos novos e antigos, tive bons momentos com o também filósofo, poeta e letrista Antonio Cícero, autor de diversos sucessos da música brasileira, principalmente com sua irmã Marina Lima e também com João Bosco, Lulu Santos e Adriana Calcanhoto. Temos combinado de compor juntos há um tempo, desde que nos conhecemos na casa de João  há uns 4 anos atrás.  Mas acho que agora sai.

Cícero também tem um blog que está aninhado em seu site oficial
 http://www2.uol.com.br/antoniocicero/.

E ficamos falando  sobre essa atividade de escrever na internet com o Bebeto,  que também já blogou muito em seu site  

www.bebetoalves.com.br 

mas que agora está afastado da atividade. 
- Uma pena, porque além de grande compositor ele escreve muito bem!

Entre os bons de conversa, também encontrei o roteirista Hugo Moss, com quem falei de cinema e rock'nroll, lembrando ainda o filme de Selton Mello e outras novidades nacionais.  Ele tinha colaborado no filme Amores Possíveis em cuja trilha participei compondo em parceria com João Nabuco algumas músicas, entre ela o tema principal. 

Depois fui apresentado ao excelente poeta Renato Rezende, cujo livro Noiva, devorei num começo de manhã do mês de agosto e continuo devorando, pois que a cada dia sua escrita me revela novos sentidos, coisa típica da boa poesia.

Falamos sobre Rimbaud uma influência para ambos e também sobre Gerard de Nerval, outro poeta francês do Sec XIX, precursor do modernismo e cuja personalidade  foi estudada à luz da psicologia Junguiana, no livro Puer Aeternus, da psicóloga Marie-Louise Von Franz, devido a seus sonhos, seus surtos, suas visões e também pelo seu traço de pueril eterno, nome douto da popularmente conhecida Síndrome de Peter Pan

Essa conversa me remeteu à primeira vez que estive no Cemitério Pére Lachaise em Paris, onde encontram-se alguns dos túmulos mais célebres e visitados do mundo, como os de Allan Kardec, Chopin, Oscar Wilde, Isadora Duncan, Molière, La Fontaine, Proust, Edith Piaf, Jim Morrison e entre outros os de Honoré de Balzac e Nerval que ficam frente à frente. 

Lembro que na época acabara de ler Aurélia, de Nerval, e que, ao  deparar-me ao acaso na frente de seu túmulo,  uma lágrima furtiva surpreendeu meu rosto. Na época ainda não havia me debruçado sobre a Comédia Humana e por isso fiquei um longo tempo pensando em Nerval, sozinho e de costas para um grande grupo que levava flores a Balzac. Lembro-me de ter refletido de como Nerval morrera pouco conhecido e que ainda o era nos dias de hoje.  E saí dali com a cabeça no poeta sem dar muita atenção à lápide do romancista com seu busto esculpido por Rodin.

O tempo passou e tornei-me grande apreciador da obra monumental de Balzac, que conheço em parte. Aliás ontem na casa do Chico vi em sua estante um volume de Ilusões Perdidas da mesma edição com que me iniciei na arte balzaquiana, se não me engano com tradução de Mário Quintana.  Depois que aprendi francês, tive oportunidade de lê-lo no original o que lhe confere ainda mais sabor. 

Falando nisso,  constatei, in loco, que na França não se aplica o termo balzaquiana para as mulheres na casa dos trinta anos, parece que isso é uma invenção brasileira, inspirada principalmente no livro Mulher de Trinta do Honoré. No livro Eugenia Grandet, a personagem principal também passa por uma transformação libertadora depois de completar sua primeira revolução de saturno (cerca de 28 anos - claro que esse dado astrológico não está no livro), assim como diversas outras mulheres da Comédia,  tão bem retratadas pela pena de Balzac.

Mas, diz-se que, nos dias de hoje,  a balzaquiana estaria mais para a mulher de 40, pois a expectativa de vida é maior e o amadurecimento tem rolado mais tarde (puer aeternus) , para os homens principalmente, mas também para as mulheres.  Pensando nessas coisas ocorreu-me que também há um outro tipo de mulher, que às vezes chamo de  Proustiana, pois independente da idade, está sempre Em Busca do Tempo Perdido. Mas esse é um tema a ser desenvolvido num  post posterior. E, para que não fique uma visão parcial masculina, peço que as leitoras colaborem com o tema.

Voltando à casa do Chico, ainda estava lá o Léo Tomassini, um cara que tem um humor que bate muito bem com o meu e que é compositor e cantor de sambas, integrou o grupo Familia Roitman e está gravando um disco solo com participações de Guinga e Caetano. Aliás, o Caetano também estava lá e é sempre muito bom encontrá-lo, pois além do enorme artista que é, revela-se sempre muito amável e muito bom de conversa. Rimos muito da coluna do Agamenon (leia-se Casseta e Planeta) na contracapa do Segundo Caderno do Globo de domingo que listava os candidatos do Rio e falava que o grande temor de Eduardo Paes era que o Gabeira nele encostasse, pois vá que ele (Paes) acabasse gostando ...

Havia uma euforia geral na festa devido à passagem de Gabeira para o segundo turno. Todos, ou quase todos ali haviam no mínimo votado no 43, e muitos haviam ajudado de alguma forma na campanha. Eu sempre acreditei e continuo acreditando, por isso deixo como dica aos que me lêem e que moram no Rio, que, pelo menos procurem se informar melhor antes de votar no segundo turno. O que está em jogo é o destino da cidade cartão postal do Brasil, a cidade maravilhosa cheia de encantos mil. E no currículo de Paes há muita coisa feia e uma campanha de R$ 3 milhões que pode comprar e fazer calar a boca de muita gente.  E Gabeira, ao contrário, tem uma ficha limpa e a coragem para mudar e recuperar a cara boa do Rio.

Agradeço a todos que comentaram e não precisam se desculpar por gostar mais da versão samba de Istancov.  A idéia é essa mesmo, apresentar o material para que vocês apreciem e tirem suas próprias conclusões. Eu, particularmente, gosto do trabalho do Jr Tostói e do Rodrigo Campelo nessa música, há uma brincadeira com o nome de sonoridade russa do personagem, eles colocaram sons de clarins e um discuso de Putkin numa praça em Moscou, samplers de ignição de carros, um violão de uma corda só com som de balalaika e misturaram guitarras distorcidas com os sons originais da versão samba.  Mas gostei de ouvir as opiniões, acho muito salutar essa discordância. Houve muito boas colaborações entre os comentários. Sigamos, pois nesse contato que está muito gostoso! 

Kiana e Thuysa, em breve Além do Paraíso chega a Natal!

Abraços e excelente semana a todos!



Indicações
Livros: Noiva de Renato Rezende e Banalogias de Francisco Bosco
Disco: Devoragem de Bebeto Alves
Prefeito do Rio: Gabeira (a escolher no dia 26 de outubro).

Legenda das fotos de cima para baixo:
1. Renato Rezende, eu, Bebeto Alves e Chico Bosco / 2. Gabriela, eu Léo Tomassini
3. Bebeto comigo e Antonio Cícero. / 4. Gabriela, eu, Eucanaã Ferraz, Chico Bosco, Ana, Marcelo Pies, Caetano, Tatiana Salem Levy, Antonio Cícero e Evando Nascimento.
5. Cartaz de El último Bandonéon